DIRNEI PRATES
Residente do Distrito de Santa Luzia, Osório
A caminho de Tramandaí, encontra-se o bairro Petrobras, no distrito de Santa Luzia, pertencente a Osório. Após uma procura exaustiva por um posto para a residência Casco no bairro litorâneo, a coordenação do projeto encontrou vaga em uma pousada. Limpa, bem apresentada e pintada em cores pastéis, a hospedagem lembra os motéis de beira de estrada dos anos 1970, destinados ao pernoite de viajantes. Uma fileira de quartos ortogonal à rua se volta para o pátio, que serve de estacionamento e é limitado por um muro. Do lado de lá, eucaliptos abrigam ninhos de caturritas.
Sol, estacionamento, cores pastéis, golpes de vento e gritos de caturritas compunham, se bem me recordo, o ambiente em que Dirnei construiu seu vídeo, Santa Luzia.
Início dos anos 1970. Fora inaugurado o oleoduto que liga o terminal marítimo de petróleo, na costa de Tramandaí, aos tanques de armazenamento no bairro Petrobras. Nas cenas do documentário Petróleo brasileiro, novos caminhos, veiculado pelo programa Repórter Esso, a modernidade chegava ao litoral entoada pelo suingue do jazz e pela voz robótica do narrador.
Para Dirnei, Santa Luzia se revelava por imagens desprendidas de dois futuros: o prometido na narrativa cinquentenária do Repórter Esso e o materializado por seus passos no bairro Petrobras em 2021. Dirnei se lança ao trabalho. As imagens do documentário migram do YouTube para seu notebook. O artista recorta e liberta sequências do filme de sua estrutura original, soltando-as em direções flutuantes. Ciceroneado por Ana Glaucia Tressoldi, articuladora do Casco, filma Santa Luzia e seu entorno. A alternância de sequências apropriadas e filmadas desliza em uma narrativa intermitente, que, aqui e ali, submerge em blackouts.
O Repórter Esso estica os erres iniciais e finais. O rrrrrrrebocador puxa lentamente o rrrrrrrebombeamento do líquido do fundo do marrrrrrrrrr. Banhistas observam o oleoduto cruzar a faixa de areia de Tramandaí. Contêineres cilíndricos instalam na planície um sistema moderno e econômico. A modernidade e a liberdade residem nas curvas, ensinou Niemeyer. O som de caturritas entra pelo poço de luz triangular e invade o quarto da pousada. Dez da manhã ou da noite? Dirnei segue pareando imagens em seu claustro voluntário. Tanques de óleo e geradores eólicos. O vento é limpo, o óleo é sujo. A modernidade é limpa ou suja?
Na RS-030, um caminhão é seguido por uma fila represada de automóveis. Uma sirene faz fundo à figura do trabalhador sobre o oleoduto. Nas mãos, um walkie talkie. Dirnei mede, recorta, monta, segue atarefado. Sentirá saudade da Santa Luzia de dois futuros, do grito das caturritas, das caminhadas com Glaucia. Volta para o seu mundo levando boas notícias.
Que morar em Santa Luzia é viver perto da natureza. Que Santa Luzia é filha do progresso. Que a Rua do Campo homenageia a Petrobras. Que a Rua do Campo homenageia a planície onde o rio encontra o mar. Que uma antiga figueira assombra a Lagoa do Horácio. Que figueiras antecedem tanques e provavelmente sobreviverão a eles. Que o vento embala barbas de pau e cataventos gigantes. Que a ondulação da lagoa e os veículos da RS-030 têm velocidades próprias. Que ambos produzem seu próprio som. Que há cargueiros entre o céu e o mar. Que a modernidade veio para ficar no passado.
_ Texto de Maria Helena Bernardes